Depois de um copo de vinho

“Não precisa de sonhar.

Pode dormir descansado.”

(“Caldo verde”, Armando Sousa)

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Eu fui tomar um caldinho

com pirão e macaxeira.

Senti aquela leseira

na cabeça, ergui o vinho,

tomei um copo todinho,

e fui pra cama sonhar.

Mas comecei a escutar

alguém dizer ao meu lado:

“Pode dormir descansado;

não precisa de sonhar.”

Aquela voz, martelando

meu juízo, me deixou

um pouco borocoxô.

Não sei dizer até quando

assim fiquei, escutando

aquele som sussurrado:

“Pode dormir descansado;

não precisa de sonhar.”

E foi me faltando o ar,

e me quedei sufocado.

Logo acordei assustado

com aquilo que eu ouvi;

olhei prum lado e não vi,

mas ouvi do outro lado:

“Pode dormir descansado;

não precisa de sonhar.”

Levantei-me devagar

e fui direto ao banheiro,

pois não agüentava o cheiro

que passei a exalar.

E aquela voz a falar

que nem um disco quebrado:

“Pode dormir descansado;

não precisa de sonhar.”

E eu fui, então, me banhar

para voltar a dormir,

mas continuei a ouvir

aquela voz contundente

que me martelava a mente

depois de o vinho ingerir:

“Pode dormir descansado;

não precisa de sonhar.”

Não dava mais pra agüentar,

eu já estava ensopado

de suor, todo molhado,

sentindo enorme canseira

porque tomei de primeira

aquele copo de vinho

depois de ingerir caldinho

com pirão e macaxeira.