O BEM E O MAL

Um dia a gente nasce

Outro é o dia em que os olhos se abrem para o mundo

Tenho alguma lembrança desse despertar

Eu vi a luz intensa da infância

Senti o fogo da carne novinha em folha

Tive noção do bicho-vida correndo em meu corpo

A longa rua se encontrava com um rio

E o rio se encontrava com o mar

As águas engordando

Os meus olhos eram diamantes

Meus cabelos independentes

Assopravam bem para longe o vento das tempestades

Um dia voltariam raivosas

Eu caminhava saltando como as lavandeiras

Os braços eram asas de borboletas

Os dedos tocavam uma música angelical

Os pés navegavam

Barquinhos de sonhos nas areias da praia

Esticava-se o pensamento por sobre as espumas do oceano

Visitavam mundos inexistentes

Criavam fantasias

A comunhão com a terra

Inocente ciranda

A cidade se pôs frente a mim

Em fogo e paixão o mundo ardia

Em perfumes falsos e cores artificiais

Em flores e fitas de papel

Segredos do conhecimento me roubaram a fé

Disseram da existência do Bem e do Mal

Criaturas em doce sedução

Insatisfações e volúpias

Boa palavra é volúpia

Encho a boca e a alma de volúpias

E inconseqüências tantas

Largadas ao pé da porta

Feridas expostas

A rua imunda e torta

O retrato amarrotado

Arranca meus cabelos

Carrega a luz dos meus olhos

A minha face desfigura

A humanidade satisfeita

Perante a criança morta