Trajetória
Dorme, criança.
Dorme que já é tarde,
não deverias estar aqui.
Dorme,
que tuas dores são grandes,
teu corpo pequeno.
Sei bem que teu sono
abate-lhe a face,
torna pálidos teus traços.
Não batalhe, criança.
Durma, que estarei aqui
por ti.
Teu jogo acabou,
restaram os dados,
restou a mim.
Na hora da luta
não quero te ver frágil.
Vá, e durma.
Vejo teu cansaço.
Tuas brincadeiras foram
engolidas pelo tempo,
mas não culpe-o.
Ele tem suas razões.
Ele pode gabar-se
por não ter nenhuma.
Quero que durma
para que teus olhos
permaneçam azuis.
Tão limpos, tão livres,
tão transbordantes de vida...
Não quero uma adaga
cravada na sua inocência,
acinzentando seus olhos.
Gosto dos teus pés redondos,
sempre virgens de espinhos
certeiros em sua pequenez.
Preciso seguir adiante,
vou dar meus passos grandes.
Ficam vazios, assim,
solitários.
Um silêncio toma conta
do mundo
quando não te tenho aqui.
Mas durma.
Enquanto descansas
sob os lençóis da minha essência,
viajo feliz,
mesmo que sozinha.
Enquanto souber
que te protejo,
estarei viva.