Lástimas poética
Lástimas Poéticas
(Ou a poesia do absurdo)
I
A poesia feita pra fidalga
Que não sangra o peito nem a alma
Embala-nos em sonolentos versos
Que de tão pueris e assim dispersos
Coloca-nos em sonolenta calma
Eu prefiro a poesia crua
Aquela que nos põe a alma nua
Que nos tange a lamentos mil
E qual bandido a preparar o ardil
Fura-nos o peito com a precisão da pua
Se ao menos fosse essa poesia
Algo como o entardecer, o fim de um dia
O canto triste de um pássaro agourento
Eu dançaria por sobre esse lamento
E em êxtase supremo gozaria
Mas qual nada ela mal nos refloresce
Ao terminar a trova já se esquece
E no afã de algo mais caliente
Minha alma chora um gosto indecente
Um desvario que a muitos emudece
É pois, na rima destes versos feios
Que atinjo com chamas vossos seios
Enlameando a poética bonita
E sem esmero requintes e sem fitas
Vou direto na alma sem rodeios
II
Salve os poetas malditos
Os que acalentam as almas dos aflitos
Os que mostram a nossa solidão
Os que direto vão ao nosso coração
E nos dizem o quanto são desditos
Viva roupagem do absurdo
A visão tosca de todo surdo
Que só vê e ouve o que é bonito
Esquecendo que também é um aflito
E mesmo ao falar parece mudo
Vida longa aos versos da incoerência
A esse abuso de todas as indecências
Esse afã de coisas lamentosas
Vida longa as rimas perigosas
Que nos imprimem as suas influências
Que se acenda o fogo dos perversos
Daqueles que em forma de bons versos
Queima-nos a alma e o coração
Que se reúnam em grande confusão
E tramem esse grande retrocesso
Não se apague essa chama de agouro
Que não cesse desses poetas o choro
Nem se aplaque a fúria da palavra
Essa que com letras feias cava
Descobrindo na dor o puro ouro
III
Não fossem as rimas malditas
Estas que sem classe e sem fitas
Mostram-nos a insensatez
O sofrer vez após vez
Das almas pobres desditas
Estes malditos poetas
Ferem-nos com suas setas
Feitas de palavras fortes
Deus os proteja da morte
Mas lhes dê vidas incertas
Não lhes tire a palavra
Essa que aos pouco nos lavra
Burila-nos a cada dia
Da-lhes uma vida vazia
Mas os permita a palavra
São estas gentis criaturas
Que nos mostram as agruras
Perdidas de nossas vidas
Curam-nos as chagas as feridas
Elevam-nos as alturas
Não fossem estes bons seres
Estaríamos aos prazeres
Sem desconfiar das dores
De outros seres e de amores
Que enganam-nos com seus dizeres
IV
Poetas da grande maldição
Desafiam o nosso coração
A olhar para a vida diferente
A verdade da existência deprimente
Que o bonito nos embaça a visão
Eis que surge em regalo desalinho
Nosso ser de repente tão sozinho
A mercê de palavras tão ferinas
Nos entope e nos enche as narinas
Com o odor de versos quase mesquinhos
Mas prefiro a catacumba poética
Dos loucos sem muita ética
Aos versos comuns que nos embalam
Em rimas belas nos falam
E nos mostram sua métrica
Gosto mais dos que sem classe
Nos falam dos desenlaces
Dos lamentos e das dores
Do fim dos nossos amores
Como se nós os matasse
Lamento junto com eles
A decadência dos seres
O afagar da beleza
Essa bendita tristeza
Que às vezes nos dá prazeres
V
Reclamo aqui os direitos
Dos que tecem seus conceitos
Mostrando-nos suas dores
As decepções dos amores
E as chagas de seus peitos
Tal qual eles, sou assim
Choro sorrindo e no fim
Faço piada da morte
Talvez tenha eu a sorte
De alguém chorar por mim
Como eles eu prefiro
Que rápido como um tiro
A vida se vá embora
Pode mesmo agora
Nesse ponto de delírio
Dos lamentos mais fabris
Do canto do infeliz
Faço rima faço trova
Mas não os ponho a prova
Não os quero meretriz
Deus salve o indecente
Que como eu decadente
Faz versos mui deploráveis
Não nos faça miseráveis
E nos dê morte descente
J. Farias