DUAS
Se encontraram numa idade tenra
onde sentimentos reviravam intensos
ainda desnomeados extravasavam
e não sabiam ainda como se encontrar
Pela vida foram desencontradas
cada qual crescendo individualizada
direções opostas, corações a postos
propensos a nunca se separar
Depois das quatro estações sem Vivaldi
da translação dos dias e noites
o eixo da Terra ainda tangente
as fez novamente se esbarrar
Foram se reconhecendo
revendo afinidades, aparando as pontas
sentimentos voltavam tontos
uma já era grávida de mundo
a outra paria fundo
ambas em perpendicular
Uma toca em cordas
outra solta a voz
andam esticadas em bemóis
afinadas em trilhas de notas musicais
Ainda que não dissessem nada
a mensagem era cifrada
e sempre sabia como se fazer chegar
Uma andava solta em pautas sonoras
a outra ouvia as claves
e ainda sonhava com possíveis "ais"
A outra entendia das pestanas
apertando os dedos
a outra se soltava em sonhos de colo
em braços de embalar
Uma era prosa, outra poesia
mas palavras nem sempre são suficientes pra tudo expressar
Hoje uma anda na praia
catando conchas
galopando em cavalos marinhos
ouvindo mares abertos
tomada e embriagada de estrelas
A outra na cidade enluarada
grávida de concreto
iluminando as paredes
dando vida ao cimento
criando uma ponte que volta a ligar
duas imantadas e iguais
que nunca deixaram de se amar