Como eu o quero
Quero que ele me chegue
negro como a noite forte,
trazendo uma estrela que não se negue
em parear com a lua uma corte.
Quero que ele me dê canções
para que eu dedilhe no violão
levantando pautas de imensidões
entre o desejo e a razão.
Que ele seja faca, navalha,
que sua lâmina passeie na minha boca
sangrando a língua e que valha
como sagração que se invoca.
Não quero que ele venha com mentiras
nem que me fixe olhos altivos,
quero-o brando aveludando as tiras
dos mantos dos santos despidos.
Não o quero cativo nem endeusado,
quero-o exposto ao dia-a-dia;
batido, malhado, surrado,
como a saga dos de fibra em alforria.
Quero que não me peça licença,
não seja formal nem se amofine,
quero sim, que me vença,
e depois, com calma, me nine.
Quero que conte estórias sem nexo
com a inocência em lauda dos anjos
mas com o deslize de luxúria e sexo
como as notas pautadas dos banjos.
Quero que me conte os passos,
antes mesmo de que eu pense em dá-los,
que me amarre os pulsos em laços
e que pise um pouco nos meus calos.
Quero que se deite comigo na lama,
que role ao prazer do ato,
que faça o mesmo na minha cama
e se entregue, por direito e de fato.
Quero que ele se renove,
se multiplique, seja duo, inteiro e metade,
que escorra a que eu o prove
entre as vertigens da verdade.
Quero-o assim, negro e derradeiro,
voraz como o lusco-fusco,
um dardo no meu peito, certeiro:
- eis o poema que busco.
Sampa, 12.03.2008
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