POEMA DE AMOR
Quando houver como,
vou escrever um poema de amor
que seja da cor da noite.
Onde não apareçam as palavras alvas
dos entendidos e dos cantadores,
para eternizá-lo naquelas purezas
em que ninguém mais acredita.
Onde não haja tampouco
aquela sapiência juanesca
gritada em ecos nos palácios,
nem desesperos de virtudes arrebatadas,
imoladas nos altares
de solidões inconfessáveis.
E que o meu poema não tenha
nenhuns desses heróis antigos,
incansáveis dueladores
estafados em justas inúteis,
defendendo honras ténues,
que eles mesmos perdiam...
Quero-o escuro,
cor da noite cúmplice,
onde uma pitada de medo
possa acrescentar gostosos perigos
áqueles longínquos passos inocentes,
que ninguém mais cogitou escutar.
E quero-o sujo do barro dos caminhos,
e impregnado dos segredos das sombras
de todas essas esquinas
onde esperas intermináveis
temperaram sentimentos fortes,
com maravilhosos devaneios.
E espero que tenha todos os ruídos
do papel dobrado, amarrado com fitas,
onde vagos vestígios de cheiros
ainda evoquem o perfume e os anseios
de esborratadas e sempre eternas juras.
Que meu poema
contenha o sonho e a vertigem,
o sobressalto e a insônia,
as memórias de lábios e de mel,
os brilhos de todas as intenções,
e a cumplicidade dos deuses,
para que nunca seja definitivo,
e para sempre se renove em fervor...