MAMÃE
Minha mãe um dia me deu uma cela
que ela chamava de um lugar
onde eu estava seguro,
e ela tranqüila.
Minha mãe um dia me deu
um presidente
que era um meio de eu
não me tornar um subversivo
e atrapalhar nossa boa fama
pela vizinhança.
Minha mãe um dia me deu
um exército
que era para eu ter medo
e ficar na mesma
mesmo longe das garras protetores
do doce lar.
E minha mãe um dia me deu
um padre,
e acabei achando que masturbação
fazia mal
e que os padres eram castrados.
E num dia ela me deu uma
professora
e dentro de cada livro
vinham escondidas
placas de direção a seguir,
dessas que não nos deixam
curtir as paisagens da estrada.
Até que num dia descobri que
“eles” é que haviam me dado
uma boa e doce mulher
que tanto me amava
e por isso não queria me ver mal
e temia que eles cumprissem
a promessa de me fazer mal
caso ela me deixasse sair.
Hoje fico pensando
o que faço com minha “liberdade”.
Já não tenho mamãe.
Mas com todos os seus “presentes”
eu galguei um caminho.
Construí castelos na areia.
Como deixar vir a tempestade?
Grito por mamãe nos dias de chuva.
E isto me faz cada vez menos homem.
E, engraçado...
por todos os meus amigos serem assim
sinto-me protegido.
Elogiamo-nos a cada medo,
e destruímos qualquer um
que queira mudar nosso enredo.
Sei que é medo...
Mas minha mãe falou
que é assim mesmo.
E ninguém veio me dizer
que podia ser diferente.
Ninguém me apoiou quando eu disse
ter visto um pássaro
de longas asas azuis.
Disseram que era minha imaginação
e que eu só podia
imitar os heróis da TV.
(da peça “Sobre o ter e o ser”)
(LIVRETO REGISTRADO NA BN/RJ)