Autocrítica

Observo minha mão, cheia de anéis

E percebo o meu suave existir

Introspecta

Boa funcionária...

E eu?

Me adaptei de tal forma à multidão

Que hoje não sei qual deles eu sou

Sei que não vivo

Eu me controlo

Não sonho nunca

Pra nunca ter sonhos a concretizar

Nunca expresso o que sinto

Pra nunca dizer bobagens

Vigiei tanto meu corpo

Para que não transbordasse a alma

Que agora, a alma se afoga

E eu não posso chorar

Tenho medo até do meu riso

Que tornei humilde, discreto

Pra não me tornar vulgar

Eu sou a princesa

De uma realeza falida

Que mantém soberania

Somente sobre seus próprios arroubos

Essa princesa não tem sexo

Só medo

De perder um reino

Que nunca tentou conquistar

E, quando a bruxa má

Isolou-a no alto da torre

Ela aceitou

Submissa

Cortou as tranças para que o príncipe não subisse

Essa princesa é mais plebéia

Do que o mais vil súdito

Do reino guilhotinado de seu pai

E ela não beijou o sapo

Com medo de virar um anfíbio também

Essa princesa donzela

Cuja mão foi oferecida

Ao garboso cavalheiro

Que matasse o dragão

Quer ser puta

E gente grande

E diminuir

E virar criança

E

De puras brincadeiras

Voltar pura e insatisfeita

Ao mundo escuro do interior da mãe

E lá

Ser abortada

Sem nunca ter visto a luz...