EXERCÍCIO DO VIVER

Poema que nasce:

véu sobre a palavra

persona do teatro grego, máscara,

incontido alarido da emoção.

Poesia que emerge:

balbuciar de paz, caminho,

centelha infinita da Criação.

Lampejo que por vezes é vômito indomado,

gemido sufocado,

estertor pela alma de um vivente.

Piano que não toca, telefone mudo,

qualquer coisa que pareça bela, humana.

Chapéu coco aos Carlitos do mundo,

couraça aos Quixotes.

Espada sem lâmina movendo moinhos,

magos cavaleiros da Távola Redonda.

Coroa de louros ao atleta

desta longa maratona,

espinhos da compaixão humana.

Página cheia de dengues, coração amado

e enfim, luz

no fim do túnel.

Poeta que surge:

Basta! Nem tudo está perdido!

Bêbado carregado,

vai roçando o bico dos sapatos

tão de leve, pés-de-pluma,

se acaso Amor lhe toma;

tão de pronto,

certeiro dardo do madeiro de Cristo,

se Liberdade está em jogo.

Assim, nem tudo para o poeta são flores,

mas, amor é o mesmo.

Poema que finda:

hosanas, soluços da Poesia para o poeta.

E o seu autor é o mesmo bêbado

que segue alçado,

braços em cruz sobre os ombros da humanidade.

Na fronte, a iluminura

dos que verdadeiramente amam,

sem pedir licença.

- Do livro O SÓTÃO DO MISTÉRIO. Porto Alegre: Sul-Americana, 1992, p. 26:7.

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