PODERIA, SIM !

Poderia queimar-te nesse fogo,

nesse crepitar de gestos

envolventes como chamas...

Poderia ver-te subir

em imprecisões de fumaça,

vã, inalcançável, vaga...

Poderia espetar meus dedos no chão,

criar raízes de medo e raiva,

nessas longas esperas

das madrugadas tristes,

em que nada acaba por acontecer...

Poderia adiar-me por mais tempo,

como se, adiado, vivesse,

e o tempo mais não fosse

do que uma morte parcial

no lento escoar dos dias...

Mas estou cansado.

Minhas mãos estão cansadas

dessas carícias de amor,

que fiz em tantas tarefas

apenas necessárias,

onde o carinho era dispensável,

mas onde eu não soube

deixar de ser quem sou....

Então, parto para esse infinito

feito do que me falta descobrir de mim

com as passadas firmes

do andarilho contumaz.

No embornal, levarei um toque de azul

em que dance a memória das cores,

como se fosse um céu só meu,

a quem mais ninguém erga preces.

Na alma, levarei um esgar liberto,

como um sorriso feito de pegadas

nesse rumo inevitável

como um fado antigo.

Poderia dispensar-te,

não te passar ao papel,

não te dizer, quando falo.

Poderia esquecer-te,

em dolorosa vontade,

se realmente quisesse

não te dar vida

nunca mais.

Mas, sem escrever,

o que seria de mim?

Fev 2008