Lágrimas adormecidas

Hoje eu sou a carne viva, impura como o leito

A rosa que balbucia a melodia do inverno

Envolta em vaidade e um frenesi desfeito

Celebrando esses espinhos presos em meu coração

Profana e casta, corrompida por um amor pagão

Hoje eu sou a poeira opaca das multidões

Extasiada por uma mórbida sensação de carência e dor

Corte a mordaça que me impede de gritar

Enterre meus ossos e deixe-me a alma cálida

Enternecida em sua própria vontade de sonhar

Longe estão as trevas que eu me perdi

Derrame esse cálica de limpidez em minha pele maculada

Perdoe essas canções mundanas sem sentidos

Essa foi a herança que você me deixou

Esta noite eu lavarei minhas cicatrizes em lágrimas adormecidas

Gritarei meu destino com a agonia mais pungente

Fantasiando meus lábios com um sorriso somente

Esta noite eu mancharei meus lençóis com lágrimas de sangue

Bombardeando ilusões para veias agonizantes

Um pedaço de mim vive febre e paixão

E o outro morre lentamente em solidão

Hoje eu sou a sepultura, a cama nupcial da indecência

A flor púrpura que desbota a cada solstício

Perdida em miragens sem deixar vestígios

Fornecendo orações para meus desejos pecadores

Procurando a vergonha nesses atos amadores

Hoje eu sou o enleio dessas estrelas solitárias

O esplendor e juventude de uma lua anciã

Traga a chave e liberte-me dessa clausura

Leve de mim essa vida abjeta e arbitrária

Contente-me com essa noite apenas

(Uma longa noite, sutil e impura)

Hoje eu sou a ninfa que tece o veludo das horas

Sou o reflexo do espelho do tempo

Aquela promessa obscena de liberdade

Ao mesmo tempo, a imagem frígida da sanidade

Embriagada e esquecida em uma amarga sobriedade