ENTREGO-TE POESIA

Entrego-te tudo poesia,

o luar, os grilos,

as lágrimas, as alegrias,

uma canção de domingo

de outono duma noite alta,

uma canção de junto do berço

que, ao me ver neste abandono,

embala-me inda uma vez meu sono.

Entrego-te poesia,

um par de tamanquinhos

e pela janela atiro meus sapatos

ao meio da rua,

a mesma ruazinha sossegada

que não viu o circo ir embora.

Entrego-te poesia,

um retrato no parque

e uma carta amarelecida,

com estranhas lembranças de outras vidas,

dormindo tranquila a eternidade.

Porém poesia,

quando eu morrer,

quero ficar com alguns poemas tortos,

soprando cinzas pelas noites mortas,

sentindo-te, minha amada morta,

amando eternamente.