MEUS PÉS

Não raro,

Contemplo meus pés.

Não para admirar seus formatos,

Mas, para,

Num monólogo,

Avaliar seus cansaços.

Como eles não falam,

Falo por eles,

Recordo por eles,

Sorrio com eles,

Sofro com eles.

Neles,

Existem marcas calejadas,

Provocadas pelo seu dono:

O andarilho.

Com eles,

Escalei estepes,

Desci escadas,

Rompi fronteiras de meu território.

Com eles,

Caminhei por terras cheias de espinhos,

Cravando-lhes sofrimento e dor.

Com eles,

Fui longe.

Conheci lugares,

Transpus florestas,

Nadei nos rios.

Com eles,

Senti a sensação de liberdade,

Correndo atrás da bola,

Brincando de esconde-esconde,

Extravasando minha meninice.

Com eles,

Dancei, dancei muito,

Juntando-os a outros pés,

Tão ávidos quanto.

Com eles,

Ensaiei bailados de amor,

Instigando outros pés,

Ora, na posição côncava,

Ora convexa.

Meus pés receberam carícias,

De outros pés,

Aliviando seus cansaços.

Meus pés,

Nunca foram bons de rasteiras.

Nunca correram com medo,

Mas também,

Nunca correram perseguindo.

Meus pés,

Não são os melhores,

Nem os mais lindos,

Mas sempre me levaram aonde eu quis chegar.

Sem meus pés,

Posso até viver.

Sem eles,

Não sei se suportarei a saudade

Dessa irmanada convivência.

Rui Azevedo – 11.02.08

Rui Azevedo
Enviado por Rui Azevedo em 10/02/2008
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