BIOCICLO
Alguém ouviu a correnteza abandonando o leito
A frase - palavras amorfas - não é mais que o verso exposto
na tua cara
no teu suor
vitrine e vidro
eu rio - você sorri
conosco o mundo gargalha
sons ininteligíveis - vozes guturais
a lona de freio polui o ar com microestilhaços de asbestos
monóxido e dióxido
o químico e o poeta encontraram-se um dia
tornaram-se amigos e hoje um não vive sem o outro
do abraço dos dois nasceu o verso
e uma dúvida existencial que para nós é muita
Não importa
é bastante perder-me na selva desse céu
usar o leito seco desse rio
fazer-me forma amorfa e tornar-me andarilho
do primeiro ventre que se abrir nascer outra vez
assim como sou
mas dizer à criança que o mundo não é mau
nem tampouco a máquina
que a força material maior não insiste
apenas oferece e espera
Conquanto não haja recusa
a correnteza volta usar o leito
o rio precede uma floresta imensa e verde
o tempo usa o movimento dos homens
que passam e desenham numa tela térrea
o farfalhar de folhas poucas e o grito avernal da bomba
os ossos vivos de Biafra e o ouro negro do Sinai
Ruanda Somália Sudão Etiópia Bangladesh Nordeste
e a vida subsiste e insiste
na busca enigmática-mística da razão de tudo
da razão de nada
POR QUE ?
PARA QUE ?
DE ONDE ?
PARA ONDE ?
Contudo eu sei que a criança entenderá o verso
e saberá porque o mundo não é mau
nem tampouco a máquina
e sorrirá ao ver o quadro exposto
que o homem um dia não recusará