O que se pode falar da guerra...

O que se pode falar da guerra

quando não se viveu uma

quase tudo, quase tudo,

quantas guerras se vive no dia-a-dia

para alguns nenhuma,

para outros,

o fétido de uma imunda trincheira

aos ratos de covas,

sempre,

sim, sempre

a podridão de bundas murchas

batem em canelas vadias

dia e noite

sem direito a espasmos

a vômitos, a fome, a miséria

guerra, bombas, bombas

um ar poluído, ranso

quantos matamos nesta trincheira

quantos deixamos de dar a mão

quantos empurramos buracos abaixo

quantos pisamos na cabeça

de quantos tomamos o lugar

na mesma,

muitos nos fazem a mesma coisa,

a mesma coisa

o que vale a sua cabeça

a minha, a dela, a de todos

um babaca vai sempre dizer

alguém tem que levar vantagem

é essa outra apunhalada

quantas temos que tomar

um carro, o asfalto, um cigarro

uma porra de vida

o filho da puta do ônibus

está demorando um caralhão de tempo

isso é todo dia,

quanta podridão

ainda falam para termos paciência

que paciência, que nada

são tantos tapas, porradas

é porrada da grossa o tempo todo

é uma guerra suja

sem vencedores, sem perdedores

tudo vira túmulo

a minha barba cresce

meu cabelo fica branco

meus pulmões cheios de fumaça

uma guerra de fumaça, de ar

um ar cada vez pior

o olhar é vago

tão vago quanto essas pobres almas

almas socadas, um

em um espúrio vagão de subúrbio

socados no metrô

minha mãe está longe de mim

nem se lembra de nada

minha mulher dorme cansada

olho a praça

a praça é cansada

a rua é cansada

a voz é cansada

um bêbado ruge pela ladeira

outro cai em meio ao vômito e a sarjeta

quanta merda espalhada

morte enlatada,

morte no carro

morte na rua

quantas mortes

quantas guerras

ninguém se lembra de nada

olho o livro,

a revista,

a televisão,

o céu

o nada

pouco sobra, muitos dizem

sobra muito mais

sobra a vida

a vida que querem tirar

tirar a qualquer custo

algum pássaro no tic do relógio

ainda vai se lembrar, a vida

se lembrar de viver

viver sem temer

mas quando?

quando não sei

espero saber

e estar vivo para ver acontecer

ou simplesmente esquecer.

O olhar continua o mesmo, assim como a miséria que tanta vida vem tirando

do ar.

Peixão89

Peixão
Enviado por Peixão em 28/03/2005
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