DIÁFANO

Aos olhos do poeta evolui uma sombra

que ganha vida, recortada.

Uma silhueta bloqueando sem piedade

a beleza azul do luar frio,

na afirmação de uma identidade

que não pode mais ser escondida,

nem ignorada.

Caminha pela noite com lentidão,

nos passos delinquentes das noites dos poetas,

por entre horas mortas para o mundo

e palavras ternamente escritas,

em fragilíssimos atos de amor.

Desliza rumo a outras sombras

como se pudesse ainda sumir,

camuflando-se entre elas

e ocultando o brilho diáfano

que algumas sombras têm

por serem sombras apenas,

onde a luz do quotidiano

nunca riscou com suas garras

as crueldades das evidências,

como quem grava a fogo

um veredicto cruel

feito de tempo.

Mas já a vida se faz dia,

num ciclo inevitável,

e restos tímidos de luar

desenham a clara madrugada

onde os brilhos diáfanos sucumbem,

e as sombras se reduzem

a quase nada...

Nos olhos do poeta,

em traições inocentes

de janela aberta,

brilha agora a angústia

pela noite, que tanto tarda !

Janeiro 2008