O Fio da Lâmina

“Não há amor que não carregue

o veneno da sua própria negação

nem ódio que não sangre

o nome de um deus caído.”

Amor e ódio são irmãos siameses na veia —

um beija a ferida que o outro abriu no peito.

Ele: a tempestade que desenha o contorno da alma.

Ela: o gelo que queima mais que o verão.

Nascemos da mesma cicatriz, diz o espelho partido:

o ódio é o amor que não suportou ser esquecido.

Ele a chama de vício, ela o invoca como altar,

e no meio, o abraço que não sabe se é punhal.

Há dias em que o ódio veste a máscara do amor,

oferece rosas de aço, envenena o pão que dá.

E o amor, traído, cospe fogo pelo rio abaixo —

mas no fundo do poço, ainda canta sua canção.

Amar é arrancar lascas do próprio osso

para esculpir no outro um rosto que já foi seu.

Odiar é reconhecer, no espelho do inimigo,

o mesmo sangue que nega e clama por perdão.

Na cama da guerra, dormem de mãos dadas:

ele a odeia por saber que um dia a amou demais;

ela o ama por não suportar que ele exista

sem ser a cratera que restou de seu furacão.

À meia-noite, quando os deuses viram a página,

ódio e amor dançam no mesmo salão de estorvo —

um sussurra promessas que o outro desfez,

e no vazio da ausência, inventam nova língua.

No fim, só restará o fio que os une e separa:

o amor que foi ódio, o ódio que ainda é amor.

Dois rios num mesmo leito, secos e transbordantes,

lavando na garganta do mundo a mesma dor.

Pois só quem sangrou nos dois lados da lâmina

sabe que amor e ódio são a mesma chama —

a que incendeia o céu, a que consome a carne,

e na cinza do fim, assina seu pacto eterno, da alma.

J Starkaiser
Enviado por J Starkaiser em 26/04/2025
Reeditado em 26/04/2025
Código do texto: T8318218
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2025. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.