Tua boca é um poço de linguagens mortas
Teu corpo é um rio que se nega à margem —
eu, pedra lisa no teu leito,
aprendo a fluir.
Não há mapa que nos desenhe,
apenas a correnteza do que se dissolve
e se refaz em silêncio.
Teus dedos escrevem geologias na minha pele:
dobras, falhas, estratos de um tempo
que não cabe em eras.
Sou fóssil vivo,
carvão sob o teu toque,
matéria-prima do teu fogo.
Quando me olhas,
o abismo se faz espelho —
vejo-me inteiro
e despedaçado.
Tua luz não ilumina, desnuda:
tira-me o nome,
deixa apenas o rastro
do que arde sem queimar.
Tua boca é um poço de linguagens mortas —
bebo delas e enlouqueço
em línguas que nunca existiram.
Somos o que fala
e o que cala,
o verbo e o vazio
que o antecede.
Não há fim nem começo,
apenas este agora que se expande
como um pulmão de fogo.
Corpo teu, corpo meu —
dois desertos trocando areia,
duas chuvas cruzando o mesmo céu.