fenda

Nasces da sombra quente da tarde,

com o ventre guardando um trovão.

Teu corpo — altar de carne trêmula —

não pede,

conjura.

No gesto em que tiras o vestido,

uma era termina.

Não há pressa,

há presságio.

A terra, abaixo de ti, respira.

Teus pés sabem o caminho,

como se a relva sussurrasse

segredos antigos.

És silêncio grávido.

Uma pausa que sangra estrelas.

Quando te deitas,

o mundo se curva.

O céu aprende com teus ombros

o peso do sagrado.

Entre tuas coxas,

um idioma sem gramática,

onde só a língua úmida

consegue ler.

Toda palavra falha.

Só o toque traduz.

Teus olhos, dois eclipses.

Teus seios, bússolas.

Teu ventre, cratera em flor.

Quando vens,

não chegas sozinha —

trazes o tempo nos quadris,

o caos nos cílios.

E tudo em ti é oferenda:

o arrepio,

a lágrima que não cai,

o riso rouco no limiar do espasmo.

Depois,

caminhas sobre o nada,

despida até da memória,

com a alma pingando orvalho

e os lábios ainda abertos

em prece.