Confissão em traços curvos
Sou aquele que vos fala de um outro tempo, mas talvez ainda a tempo de confessar-te uma covardia. A primeira é esta: transcrever em traços curvos meus fracassos, como se estivesse a falar para um padre em seu confessionário, sem ver seu rosto e, no entanto, titubeando pelo receio dos arrependimentos que oculto nas tantas máscaras do meu silêncio. Tenho medo do confessionário, porque lá encontro a certeza do pecado. Aqui, me iludo — ou melhor, finjo a mim mesmo não saber que finjo. Nesse particular, talvez eu represente o teu legado enquanto poeta, na arte do fingimento. Não sou nada! A não ser o nada que se esgueira na ausência da coragem.
Veja só! Até esta linha de texto, não adentrei, de fato, nas covardias que me tomam o sono. Esse é mais um atestado do fracasso: o covarde que, num diálogo metafísico com um poeta distante, recusa-se a dizer de si mesmo o que o trouxe a tal situação.
Que tenebroso é o meu caso! Sem sequer confessar-te uma covardia que valha a pena ser lida, fui covarde duas vezes: ao vir aqui, como a quem foge do luto causado por si próprio, pelo medo de revelar-se completamente, e ao hesitar de falar-te em linha reta meus gracejos impuros. Eu sou vil! Não vil como categoria humana, mas vil como pecador, aquele que bebe do cálice quando proibido. Não me agachei na hora do soco — pior: assisti a quem foi violentado e, covardemente, me contive. E, de tanto me omitir, menti! E, nas mentiras, me perdi.
Tive em mãos uma flor e, com todo cuidado, a pus numa redoma, apenas para que depois eu mesmo a quebrasse, levando tudo ao chão. Falhei, não por ser de natureza infame, mas por abraçar a infâmia como natureza. E, na beleza da loucura, embebedei-me da cicuta que a alma consome e o corpo mantém de pé. E, enquanto escrevo, novamente estou a ser covarde, buscando metáforas, símbolos, para dizer sem revelar o que busco não encontrar. Estou imerso no declínio de quem tenta soprar uma vela já apagada, esperando que o fogo renasça no esforço do sopro.
A traição que cometi foi, antes de tudo, contra mim. Confesso-te: matei a lealdade com minhas próprias mãos. E, em sua face póstuma, era o meu rosto que parecia ocupar o outro corpo — uma miragem da culpa de quem a si próprio assassina na morte do outro.
Não posso dizer que estou farto de semideuses, pois seria mais uma covardia. Mas de nada adianta, nem mesmo essa negação, pois, em vista das confissões que agora te faço, torno-me, mais uma vez, covarde, por me lamentar pela minha covardia...