ULTRAPASSAR O EU
Não quero estar à margem de mim.
Quero me despir do que é velho
E que impede que surja o novo.
Não quero estar à margem de mim.
Quero ultrapassar o meu eu
Como se ultrapassa um rio.
E ultrapassar um rio é enfrentá-lo.
É ir de encontro a sua fúria,
É nadar contra correntezas,
É correr o risco de perder a força
E não chegar do outro lado.
Mas melhor é correr o risco,
Que ficar a margem de mim.
Que ficar só a imaginar
O que tem na margem de lá.
Que mistérios se escondem ali?
Que segredos me vou revelar?
O que irei lá, eu descobrir?
Com que irei eu me espantar?
Será que conseguirei ver?
Será que vou suportar?
Mas quero correr o risco sim,
E esse rio transpassar.
Quero estar frente a frente a mim
E, os meus mistérios,
De mim não ocultar.
Quero o profundo do meu eu
Em mim mesma poder encarar.
Espantoso e assustador é,
Mas quero ultrapassar!
Quero chegar do outro lado
E com o meu ser defrontar.
E se mesmo ao chegar
Sem forças desfalecer.
Saberei que não vivi em vão,
Sentirei que grande renovação.
E, no meu desfalecer estarei eu
Diante de mim a me contemplar.
Desnuda dos meus mistérios
Diante dos meus medos,
Sem ocultar de mim meus segredos.
E depois da dura ultrapassagem
Se ainda forças tiver,
Enfim, feliz!
Buscarei saber o que fazer
Com o que achei de mim.
E se consegui descobrir
Saberei que outro rio furioso
Terei que enfrentar.
E o meu incansável desejo
Em ultrapassar meu eu,
Nunca, nunca irá findar.