Natal (para minha vó)
Tantas coisas você não esteve aqui para ver.
Ah, se eu pudesse ainda soprar ao vento para te contar…
Você não esteve aqui para ver o retorno dos astronautas
Que passaram nove meses no espaço
Você não esteve aqui para reclamar do calor
Que anda cada dia mais quente
Você não esteve aqui para presenciar a última enchente
Nossos pertences úmidos, nossas lágrimas.
Você não esteve aqui quando precisávamos de um conselho
E tivemos que imaginar: o que é que você teria feito
Com sua presença pairando sobre todos.
Antes, contudo, tantas coisas você viu.
Durante décadas, durante quase um século,
Você viu tudo mudar.
Mudou a moeda, a moda, os costumes
Mudaram as regras da língua portuguesa.
Declararam guerras. As guerras passaram.
Você ficou.
Na sua franca teimosia e no seu apego à casa, você ficou.
Às vezes ainda sinto você lá
Protegendo os objetos e os álbuns de fotografias.
Ainda ouço sua voz dizendo que não gosta de eventos
E não obstante reunindo todos a sua volta
Com a casa sempre cheia e a mesa farta.
Tantas coisas eu te disse.
Tantas outras eu não te disse.
As circunstâncias nos atravessam como navalhas.
Escrevo-te um poema telepático;
As estrelas o carregarão.
No atropelo fugaz do tempo,
Já é Natal novamente, e você não está.
Arrumamos a casa e preparamos a ceia.
O vazio da sua ausência, no Natal, tem um peso quase físico.
Será Natal, apesar disso.