Natal (para minha vó)

Tantas coisas você não esteve aqui para ver.

Ah, se eu pudesse ainda soprar ao vento para te contar…

Você não esteve aqui para ver o retorno dos astronautas

Que passaram nove meses no espaço

Você não esteve aqui para reclamar do calor

Que anda cada dia mais quente

Você não esteve aqui para presenciar a última enchente

Nossos pertences úmidos, nossas lágrimas.

Você não esteve aqui quando precisávamos de um conselho

E tivemos que imaginar: o que é que você teria feito

Com sua presença pairando sobre todos.

Antes, contudo, tantas coisas você viu.

Durante décadas, durante quase um século,

Você viu tudo mudar.

Mudou a moeda, a moda, os costumes

Mudaram as regras da língua portuguesa.

Declararam guerras. As guerras passaram.

Você ficou.

Na sua franca teimosia e no seu apego à casa, você ficou.

Às vezes ainda sinto você lá

Protegendo os objetos e os álbuns de fotografias.

Ainda ouço sua voz dizendo que não gosta de eventos

E não obstante reunindo todos a sua volta

Com a casa sempre cheia e a mesa farta.

Tantas coisas eu te disse.

Tantas outras eu não te disse.

As circunstâncias nos atravessam como navalhas.

Escrevo-te um poema telepático;

As estrelas o carregarão.

No atropelo fugaz do tempo,

Já é Natal novamente, e você não está.

Arrumamos a casa e preparamos a ceia.

O vazio da sua ausência, no Natal, tem um peso quase físico.

Será Natal, apesar disso.

pedro toscan
Enviado por pedro toscan em 02/04/2025
Reeditado em 02/04/2025
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