SENTIDO DA VIDA
Encontrei o sentido da vida
Sentado quietinho
Nem sei mesmo se era gente
Ou uma não catalogada espécie de bichinho
No tamborete alto da padaria da esquina
Seria um homem?
Seria uma sina?
Tomava uma xícara de leite quente
Tremendo os beiços
Abrindo bem largas as narinas
Sorvendo aos pouquinhos
Com fome e com carinho
Fiquei observando enquanto de prazer se lambia
Mas ele só via o leite
O almoço do dia
Me deu tanto dó
Rezei sussurrando uma Ave-Maria
Vi os dentes fortes
Um aqui, dois acolá
Mais um gole
Tomava devagarzinho
Para não desperdiçar
As orelhas grandes
A pele enferrujada
As mãos diziam sou lavrador
De tão estragadas
E na mente dele eu via
Uma paisagem enorme
A perder de vista
Uma cena de sertão ao meio dia
o sol torrando
Pela janela uma velhinha olhava
O céu só azul
Uma vaca esturricada na sombra de um galho desfolhado
A galhada do boi ao lado
A velhinha olhando a estrada descendo a ladeira
Os pés ajeitados nos sapatos apertados
Especiais para vir à cidade
As veias puladas gritavam ais das caatingas
Dos canaviais
Os dedos apertavam enxadas no ar
Quanto custa um litro de leite?
Um e cinqüenta
Li as frases nos olhos do bichinho do mato
Interpretei o olhar de calcular e de sonhar simultaneamente
Um dia ainda vou comprar um litro e tomo todo
Saí da padaria
Ficou lá o sinhôzinho
Proprietário de engenhos de sonhos
E de amor
Esperando a clínica abrir as portas
Para chegar o doutor