Onde mora a dor?
Onde mora a dor que devora o âmago do homem?
Mora no mundo cansado,
No espírito calado
Que já estende os braços em reverência
À força da exaustão.
A dor, amigos, é fruto proibido que convida
Nossas pernas a caminharem pelo vão do nada.
A dor muda, a dor desnuda
Que arrefece o peito.
Onde mora então, essa causa, essa lauda inóspita?
Mora em nossa mudez, em nossa condição insana,
Em nossa passividade absoluta.
Eis, então, o marco da história
Cravado na memória perdida de nós mesmos.
Não somos heróis, não somos o ornamento cravado no peito.
Pois a vitória dos nossos dias de ócio
Já está gravada na decepção de mais um dia
Onde assistimos, inertes,
Sentados na poltrona,
Mais um capítulo da degeneração humana.
Onde mora, oh céus, a gana?
Mora na fama alheia, na expectativa de cegueira.
Onde posso molhar minha saliva?
Onde posso passear pelas trilhas do impossível
Caminhando sem demora,
Sem entregar-me à servidão das horas?
Não das horas do amor,
Das horas em que a dor parece ser mera coadjuvante,
Mas das horas em que possamos descansar
A cabeça no aconchego do ombro amigo,
No aperto de mãos, no abraço, no laço.
Onde mora a dor que devora o âmago do homem?
Mora na ausência que sentimos de nós mesmos.