GIRASSÓIS
Os dentes-de-leão são tão resistentes aqui no outono!
Veja como tudo está cinza,
tão quieto,
folhas secas pelo chão...
O silêncio me ensina.
Eu, deitado,
sentindo frio,
nesta solidão.
Enquanto o ocaso cai,
manchando fotografias de laranja,
levando o passado para o futuro...
nostalgias, risos, súplicas...
Não sou ninguém;
Nada a ver carnavais comigo.
Ganhei outro nome e outras roupas
para ser guarda civil.
Tenho uma ficha individual e cicatrizes,
visíveis e invisíveis.
Prenderam metade de mim no escuro,
entre os braços dourados do anoitecer.
Uma margem de mim onde nunca amanhece,
Fica observando a dança das sombras.
Retina tola!
Por que não engoliu seus sapos?
Antes, abriu sua boca melancólica
Para debochar de mim mesmo.
Os guardas passam, a banda toca.
Feito jacus na orla da lagoa,
Voam com seus problemas azuis,
não vejo problema nisso.
Suas sombras se entrelaçam,
formando um emaranhado de desafios.
Cabeças azuis, problemas iguais
ou marrons, tão semelhantes.
É quase impossível saber
quantos problemas vêm à mente.
Eu sou, para eles, mais um número,
eles manipulam como a água num copo.
Manejando as peças
entre as ruas e avenidas,
sob a luz do sol e da lâmpada de led.
Sinto-me revigorado com minha tônfa curta,
sou parte de um todo,
Eu sei que sou!
Porém...
Há mais coisas.
Estou desorientado.
Estou farto dessa bagagem.
Meu cinto de guarnição machuca meu quadril,
pesa em meus calcanhares.
Minha esposa e meus filhos,
Cabem todos em uma foto
amarelada pelo outono.
Seus sorrisos se prendem à minha pele,
anzoizinhos sorridentes.
Na nostalgia da imagem,
Onde eu encontro refúgio,
uma pausa na dureza da jornada.
Eu carrego comigo o peso do tempo,
as experiências, memórias e desafios
acumulados ao longo de cinco décadas...
Quase vinte anos.
Circunstâncias,
elas vivem na garupa.
ninguém vê minhas lágrimas
Dentro do capacete.
Se rolarem pela face e caírem
Cairão no asfalto quente,
regarão os dentes-de-leão
nas frestas do Arrudas
Ou molharão meu travesseiro,
que se banha nas madrugadas insones,
às margens da lua,
transformando minha cama em um jardim
de férteis pesadelos.
Agora sou um “polícia”,
nunca fui tão durão,
tão aguerrido.
Eu não precisava de um revólver;
só queria um vinho 'demi sec',
ficar sentado na sala,
ouvindo minhas músicas favoritas,
ou meditando silencioso.
Com as mãos entre as coxas,
contemplativo.
Ah! Como isso é libertador.
Deixar que a melodia se misture ao vinho,
e se tornem minha única companhia.
É até enjoativo; esse silêncio,
essa calma, essa plenitude.
Eu não peço nada a Deus.
Nem amor a ninguém.
Se puder, faça amor comigo.
Tampouco tenho algo a oferecer.
No silêncio, há paz.
Quem sabe, nessa viagem hostil,
Fora dos asfaltos...
Pra começar, o dente-de-leão é amarelo,
feito ipês ao pôr do sol.
Suas cores vivas
me fazem doer a visão.
Um espetáculo.
Sua cor amarela conversa
com o sol da tarde.
Ambos não têm som...
Isso me confunde!
Como podem me perturbar tanto assim,
no outono.
Dentes-de-leão enfeitam os túmulos,
as outras flores rolam secas pelo chão.
Um toque de simplicidade
que desafia a melancolia da estação.
Eu não havia percebido antes,
era só tristeza e solidão.
Os dentes-de-leão se voltavam
em minha direção,
como girassóis,
que acompanham o sol
desde o oriente, tão lentamente.
E eu, com medo,
me sentindo ridículo,
uma sombra na multidão,
o girassol no poente,
parecendo dentes-de-leão
beirando covas.
Não via rostos,
não andava pela cidade....
As florezinhas tão amarelas
não me deixavam respirar.
Cada pétala era como uma lembrança,
uma miragem do passado.
Antes amarelas, agora um branco
se espalha aonde o vento for.
flutuando em paina, perene,
sem nenhum alarde.
As flores surgem nos cantos,
fazendo um silêncio ensurdecedor,
e balçam-se no ar do outono,
do mesmo jeito que os girassóis.
Uma beleza de show,
sem plateia,
somente o tom vibrante sob o sol.
Fazendo-me acreditar
eu podia ser feliz.
Tolo, menino bobo.
Quem ri de mim é o destino,
com aquele sorriso sem compromisso...
A calçada se cobre de folhas secas,
como uma colcha de retalhos.
Sabe de uma coisa?!
Os dentes de leão deveriam estar debaixo da terra,
enterrados,
como as minhocas de pescaria.
Fungos e...
flores mortas.
Eu assopro a planta.
posso fazer um pedido ao universo?
Sua florzinha travessa de pétalas amarelas,
não ria de mim.
A água que escorre dentro do meu capacete
é morna e salgada,
parece a água do mar,
soluçando nas pedras da praia.
Vou me deixar levar
nas ondas que vêm e vão,
mergulhar nos suspiros do oceano,
como se fosse uma página virada.
Porém, dessa vez
não haverá âncora para me despertar.
Dormirei.
Sem sonhos.
Sem incômodos.
Descansarei.