Noturando
Vou por aí
Em linha reta, torta, desconhecida
Mas vou
Carregando nas costas todo o peso do mundo
Nas madrugadas frias e desfeitas de lar
Vejo nas calçadas outros irmãos
Tristes, famintos e ignorados
Vou por aí
Nos becos fedidos de urina e outros miasmas
Encontro outros escombros
De homens bêbados
Mulheres abandonadas
Crianças famintas e esquecidas
Meu Deus, quanta iniquidade, penso
Traindo meu ateísmo
Volto meus pensamentos àquilo que me conduz
Na vida, na lida, na indigesta constatação
Vou por ai
Corre nas minhas veias
O sangue ancestral dos habitantes da noite
Quem mais senão eu
O grande ser de mim mesmo
Não
Não nego a ancestral razão da minha existência
Sou dela grão e areia
Muitos e único
Vou por aí
Procurando, procurando
Um canto, uma sombra
Seja como for
Talvez um abraço, um riso
Ingênuo e belo
Vou por ai