Carbureto

Oh vós, que ousais dobrar o tempo com fagulhas!

Vede esta pedra pálida e traiçoeira,

filha do fogo e da cal fervente,

que ao toque d’água geme — e incendeia!

Chamam-na carbureto —

e nela dorme o fogo não domado,

a luz forjada, a pressa destilada

em vapor e gás.

Com ela, acendem-se as trevas da mina,

não com sol, mas com engano cintilante.

Na solidão do subsolo,

é ela que lampeja como tocha forçada,

fingindo dia onde reina o abismo.

E não bastasse iluminar o que era escuro,

amadurece frutos que ainda nem sonhavam doçura.

Oh, vil pedra! Que soprando etileno,

apressa o destino da fruta,

rouba-lhe o tempo, pinta-lhe a pele,

mas deixa o interior insosso e verde.

É artífice da ilusão!

Engana a videira, trai a mangueira,

e diz ao cacho: “És pronto!”,

quando este ainda implora por mais um sol.

Mas ai! Também funde o metal,

rasga o aço com fogo falso,

sela ferros em seu leito ardente,

e ergue a indústria com mãos de centelha.

Oh, pedra que queima sem amor!

Não conhece ternura,

não respeita raiz, nem espera estação.

É solda, é pressa, é lampejo de um mundo

que esqueceu o valor da espera.

Dizei-me, senhores do progresso:

até quando vestireis vossas máquinas

com o calor da mentira?

Até quando alimentareis os mercados

com frutas que não viveram sua infância?

Pois nem tudo que reage, floresce;

nem tudo que endurece, é forte;

nem tudo que reluz, amadureceu.

E agora, que até o humano se apressa,

tratando-se com fórmulas de prontidão,

pergunto-vos:

Será que também queimamos por dentro,

como fruta carburetada,

com casca dourada e alma crua?