Voçoroca

Era mata.

Era chão.

Era ventre.

Agora é cratera, fenda,

ferida aberta que cresce em silêncio,

roendo as bordas do mundo.

O verde se dobrava ao vento,

copas dançavam sobre raízes fundas,

a água corria com rumo.

Mas rasparam-lhe a pele.

Cavaram fundo, arrancaram o ventre úmido,

desfiaram argila, lavraram buracos.

O barro partiu.

O solo ficou.

Mas ficou sem corpo.

A chuva veio.

Não aquela que regava as bromélias,

não a que tecia os rios.

Mas lâmina bruta,

sem folhas para apará-la,

sem raízes para prendê-la.

Escorreu como sangue em pele aberta,

afundou-se em cortes,

dissolveu o que ainda restava.

Ela crescia em silêncio,

enquanto era pequena.

Agora grita só por existir,

pois é grande.

Rachaduras que eram linhas

se tornaram sulcos,

os sulcos se tornaram trilhas,

as trilhas se tornaram abismos.

Onde pisava o mico-leão,

onde a preguiça se estendia em galhos,

onde a onça pintava a mata com seus olhos,

agora há desníveis,

barrancos quebrados,

queda sem fim.

O tempo devora em bocados.

O que hoje é margem, amanhã é queda.

O que hoje é barranco, amanhã é nada.

E a boca cresce,

grande, seca, insaciável.

Consome trilhas,

se alonga pelas estradas,

arrasta para dentro de si

o que um dia foi terra firme.

E quando perguntarem:

onde estava a floresta?

onde se escondeu a raiz?

onde pisará o amanhã?

Responderá o vazio,

com seu eco sem fim.