Aquicultura

Nos ambientes de transição, onde o mar e a terra se encontram,

onde os manguezais tecem raízes entre a água e o chão,

uma ferida se abre—não pela fúria do oceano,

mas pela lâmina voraz da ganância humana.

Rui a mata que abraçava as marés,

tombam os troncos de seiva salgada,

desmorona o chão que outrora pertencia aos caranguejos.

E tudo, para quê?

Para criar peixes sem memória, camarões sem mar,

para erguer tanques que espelham o céu,

mas que não contêm a vida que antes ali dançava.

Há leis, há normas, há selos de permissão,

mas não há ciência que veja além do papel.

Os estudos são fragmentos, números frios,

que não enxergam a raiz que sustenta a maré.

Há apenas o lucro,

que avança sem pedir licença,

sem se curvar ao sal,

sem respeitar a canção das águas.

O mangue morre em silêncio.

A lama já não é berço.

A maré já não leva histórias,

apenas reflete a sombra de um tempo enterrado

sob muros de concreto e promessas vazias.

Morre a patachoca, guiada pelo ciclo lunar,

e o luar já não reflete em águas livres.

Os peixes vagam sem destino, sem leito, sem fuga,

pois o tanque é prisão, e o mar, memória distante.

E os que antes pertenciam à terra

agora a veem aprisionada,

transformada em espelho estéril,

sem raiz, sem sustento, sem lar.

E quando perguntarem onde foi parar o mangue,

onde foram os caranguejos,

onde se esconde o rio que antes guiava o mar,

o que diremos?

Que vendemos o passado por camarões gordos?

Que aprisionamos as águas para que delas saísse lucro?

Que esquecemos que o mar nunca se deixa prender?

Ah, mas ele lembra.

O mar sempre lembra.

E quando vier, não virá devagar.

Samuel de Amaral Macedo
Enviado por Samuel de Amaral Macedo em 15/03/2025
Código do texto: T8286095
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