Sua Voz Quando Você Calou
Eu sou as horas que o relógio não marcou
Eu sou o isolado em meio à multidão
Eu sou a música que você não ouviu
Dos velhos erros eu sou a repetição.
Sou a tempestade arrebentando a vidraça,
Eu sou a chuva que te molha por inteiro
Areia que o vento carrega no deserto
A nau que fugiu pro mar sem paradeiro.
Eu sou os teus olhos refletidos no espelho.
Eu sou o meu próprio reflexo invertido
Eu sou o nó que nunca deixa a garganta.
Eu sou aquele velho grito inda contido.
Eu sou as mãos do idoso, agora trêmulas
Eu sou as pernas inábeis daquela criança.
Eu sou dúvida dos caminhos da vida.
No baile eu sou o medo de entrar na dança.
Eu sou a tua lágrima que nunca caiu,
Ou o teu choro que ninguém percebeu.
Nas horas de claridade eu era o cego.
E no momento de errar eu era eu.
Aquela ave voando mais alto eu era
Não pela beleza de seu vôo sagrado
Mas para não estar tão perto dos olhos
Que veriam o meu corpo machucado.
Eu sou a cicatriz que restou da batalha,
Eu sou aquele que nunca voltou em glória,
Sou os escudos partidos sobre o campo,
O guerreiro que morto, não deixa história.
Eu sou o esquecimento mais silencioso
Dos momentos eu sou o mais solitário
Na lembrança eu não tenho peso ou forma
Do tempo presente eu sou um relicário.
Sou a pergunta que não teve resposta
Sou resposta que não esclareceu a mente
Sou o trecho de uma melodia inacabada
A mágoa antiga que ainda se ressente.
Sou a atitude que não fez diferença
Verdade que não irá para salvar ninguém.
Um número longo em um cartão de ponto
Qualquer um dos vagões no meio do trem.
Eu sou brisa, que você não vê ou toca
Mas que passando por teus lábios te beijou
Eu sou as teclas que se quebraram no piano.
Eu sou a sua voz quando você calou.