Cacau

Ó terra fértil, berço de promessas!

De leitos moldados pela mão do tempo,

ricos, profundos, prontos para nutrir a vida,

guardados sob a sombra pérfida,

onde rasteja a peçonha vil,

a mais temida das Américas!

Após teu leito repousar sobre o seio da Serra da Papuã,

te uniste à terra num enlace fecundo,

e cresces, ó fruto dourado,

tornando-te a joia do mundo cobiçoso!

Nem o mais ousado trovador,

nem os bardos de tempos idos

descreveriam com justiça a beleza de tua flor,

matriz do mel mais doce,

mas também da amêndoa mais amarga,

como se em ti o próprio Criador inscrevesse

o equilíbrio do mundo—doçura e fel,

riqueza e perdição, bênção e maldição.

No Sul da Bahia ergueste teu império,

e ao nome da terra se dizia o teu,

pois foste tu, e não reis nem príncipes,

quem vestiu a região com o manto do ouro.

Ter-te nos bolsos era ter fortuna!

Tão precioso foste quanto o sal,

quanto o açúcar, quanto as especiarias que,

em eras passadas, faziam reis ajoelhar-se.

Ó doce ilusão de glória!

Tua grandeza trouxe riqueza,

mas também cobiça, e à sombra da fartura

cresceram grilhões invisíveis!

Quantos filhos desta terra não foram cativos,

meeiros de herança vazia,

senhores sem terra, herdeiros de suor?

A ti serviram como servos,

a ti devotaram sua vida,

e eis que foste ingrato,

traindo-os com o hálito da morte!

Veio então a maldição—

trazida não pelo fado, não pelos deuses,

mas pelas mãos do próprio homem,

ardiloso, voraz, cego em sua ganância!

Na calada da noite, semeou a praga,

e a Bruxa, essa sombra funesta,

fez-se ventre no teu seio outrora fértil.

Putrefato e vil, teu corpo apodreceu,

e o mel se fez veneno,

a amêndoa, pó sem gosto,

os campos, ruínas de outrora.

Aos pés foste cortado,

o que antes fora ouro virou cinza,

e os que a ti devotavam sua fé

prostraram-se sobre a terra vazia.

Lançaram-te a outras terras,

fugiste para além dos rios e vales,

mas jamais esqueceste teu trono perdido.

E eis que retornas!

Vinte invernos passados,

e voltas à tua pátria,

agora mais forte, mais astuto,

resistente à Bruxa que um dia te condenou,

e de novo valendo ouro!

Mas dizei-me vós, ó filhos da terra:

terá a fortuna aprendido com a ruína?

Ou será que a roda do destino

mais uma vez girará sobre a mesma dor?

Samuel de Amaral Macedo
Enviado por Samuel de Amaral Macedo em 26/02/2025
Reeditado em 27/02/2025
Código do texto: T8273413
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