Sombra de Alguém
Vi aí um espectro negro
Se arrastando pelo chão,
Quase mineral,
Como coisa cuja causa parece estar além
– ou aquém – de si.
Um vulto esguio e nítido
Feito somente de superfície:
Coisa igual à sua própria imagem.
Havia uma cabeça
Havia um tronco
Havia pernas
E mesmo assim não era completamente humano,
Quase mineral.
Grudado ao piso,
Refletindo aquele que o via
Fingia ser a aparência do outro,
Quando era muito menos:
Carne descarnada;
Avesso da luminosidade;
Tecido preto;
Casa por construir.
Andava na velocidade do movimento
daquele que passava (atrapalhando a luz).
Não era um anteparo humano,
Não dizia nada, não ouvia tampouco
Era quase igual ao chão mineral
Em todos os aspectos:
Uma sombra desconfiada
Ou uma pessoa bidimensional
De vitalidade pífia e sem autonomia,
Mas com gestos articulados e harmoniosos.
Mimetizava tão bem homem quanto bicho,
Seguia, pedinte, com toda a expressividade
Que um ser exclusivamente plano pode ter.
Inspirava medo, e ainda na memória persiste,
Estava vivo sem dúvida, precário:
Questionei minha humanidade
naquele relicário.