No portão
Chico volta quando quase deslembrado,
espantando em decorrência da magreza:
não se assemelha àquele, o demônio,
que pairava tão colosso sobre mim.
Eu poderia pegá-lo no colo.
Tem o cabelo penteado para trás
com entradas aparentes que me assustam,
olheiras profundas, feito vastos hematomas,
e um sorriso judiado — não só por fora.
Ele me fala dos robôs, não ganha aposentadoria,
é informal e nunca mais um empregado;
faz perguntas repetidas que respondo repetido,
dá conselhos que recebo, mas descarto.
Os minutos se acumulam e, enquanto o escuto,
estou pensando que esse homem já foi tudo:
tudo que eu jamais queria ser.
Mas a visão do destino comumente difere
e, no fundo, sei que sou mais Chico
do que reconheço ou enxergo;
vejo-o partir, do lado oposto do portão,
e me despeço.
Eu espero que ele chegue bem.