Nos templos de arcanos

Nas catedrais do orgulho, o homem ascende,

Erguendo à fé os mármores da vaidade;

E, em seus altares, o silêncio desprende

O eco vil da falsa santidade.

Mãos impuras, em olhos de ganância,

Forjariam da luz divina o escárnio;

Nas trevas do espírito, a intolerância

Faz do amor um cadáver solitário.

Ó templo de arcanos! Onde outrora a brisa

Trazia o verbo puro ao chão desnudo,

Hoje, a pedra fria, que em ouro se matiza,

Cala a natureza e corrompe o ego mudo.

Ó mão profana que sob o véu se abriga,

Ergue altares e ao homem destrói.

Deuses falsos, em estátua, perfila,

Mas o Cristo em barro abandona e corrói.

A fé, tão vasta quanto o firmamento,

Reduz-se a leis que os homens impõem;

O infinito divino, em vão tormento,

Nos transviados dogmas, as asas depõem.

Não mais o altar respira o puro incenso,

Mas o metal vil, que ao pobre ofusca a fome;

Não mais o verbo é santo, mas imenso

Eco da vaidade, que em si próprio consome.

Oh, tempos ignóbeis, que às cruzes lançais

O sangue irmão, em lâminas douradas,

E, sob vestes de seda, disfarçais

As chagas pútridas de vossas espadas!

Vós, que pregais o amor em ferros crus,

Por que, na luz, vedes sombra e rancor?

Se vosso Cristo é o mesmo que a nós conduz,

Por que deveis transmutar paz em dor?

E eu, um pó que pensa, em pranto contemplo

Que o divino, tão próximo, é distante;

Pois os homens, das sombras, ergueram o templo,

E da luz fizeram-se ignorantes.

Não mais no fogo gélido da fogueira

A vítima morre em chamas de ironia;

Não morre a carne, mas a alma inteira,

Na brasa do escárnio, dia após dia.

O diferente é visto com a pena

Que não se apieda, mas aponta;

Humilha, constrange e apequena,

Com a impiedade que a história remonta.

Oh, palavras vãs, que o ser humano fere!

Que ecoam mais alto que o grito do amor!

Em nome de um Deus, que em silêncio perece

No coração dos que erguem o dessabor.

E eu, mísero, a olhar o abismo eterno,

Rogo ao Alto a luz que o mundo desdenha:

Livrai-nos, Senhor, deste ódio moderno,

Que a própria alma, em sua vaidade, empenha.

Rogo à terra e ao mar infinito

Que o verbo puro retorne à sua fonte;

Que a fé, liberta, encontre no espírito

O altar que não perece no horizonte.

Aflora la Fora
Enviado por Aflora la Fora em 21/11/2024
Código do texto: T8202437
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