TUPINIQUINS

TUPINIQUINS

No princípio, era o céu sem limites!

Os rios, o sol, a lua, a terra, o mar...

Liberdade não era palavra que se dizia

Liberdade vivíamos a correr, a pular

O nu, cândido não existia, proeza!

Nada tínhamos do que nos envergonhar

A natureza generosa... Uma beleza!

Tudo ofertava sem reclamar

Quanta fartura, variedade, benfazeja

Pegávamos o necessário para a fome saciar

A vida era encanto, canto que se festeja

Contos, estórias de guerreiros para encantar

Amores impossíveis, possíveis desejos

Risos, guizos, urucum, festas para dançar

Encontros, encanto nos campos, lugarejos

Alegria, folguedo, sonhos para sonhar

Em harmonia todos viviam

Limites não existiam, nem terras a demarcar

Cercas não se viam, donos não existiam

Nada havia para vender, para comprar

Era louco, quem por ventura dizia

- Essa árvore é minha, essa terra é minha!

Quem era dono da estrela que luzia?

Quem se apossou do sabor da vinha?

Quem detinha o esplendor do luar?

Todos eram donos, ninguém possuía

O verbo ter não se sabia conjugar

Liberdade era palavra que todos liam

Filhos das tormentas de além-mar

Que ventos os trouxeram para cá?

Por que, a maldade, a inveja, a ambição

Tiveram também de desembarcar?

A estultícia, o vício, a covardia

A vergonha, a doença da moral

A crença que à força a cada dia

Na diferença, impunha-se por igual

Nada disso existia! Éramos sãos.

Aos poucos a confiança conquistaram

Demos puros presentes com satisfação

Recebemos trastes que não prestavam

Não impusemos em que nós cremos

Não censuramos religião

O que restou, hoje o que temos

São as marcas da devastação

Nosso ouro era a verde mata

Nossa prata não estava no chão

Animal que se extingue, que se mata

Serviam-nos somente para alimentação

A natureza que tanto se maltrata

À fogo, serra, foice e facão

Clama a tanta gente ingrata

- Salva-me enquanto há salvação!

Gente crua, perversa, insensata

Que ateia fogo em gente na rua

O teu muito a tantos falta

Falta à própria gente tua

Quanta gente vive na desgraça

Pelo excedente da mesa tua

Somos gente ou somos raça

Que a própria gente se exclua?

O que chamam de civilização

O hábito de espancar crianças

De enjaular homens na prisão?

De quebrar sólidas alianças?

Éramos uma grande nação

Avá-canoeiro, na serra da mesa

Restam seis – Um casal de irmãos

Pais, duas idosas, uma tristeza!

Guajajara, Krikati, no Maranhão

Potiguara, Marajoara, Tapajó

Quantos estão em extinção?

Quantos na multidão vivem só?

Wapixana, Yanomani, Xavante

Kalingángs, Ticuna, Macuxi...

Pindorama! Não Brasil, ignorante!

Piratiniga! A Índia não é aqui

Karajá, Kamayurá, Aweti

Ikpeng, Kauapó, Timbira

Xokleng, Krahô, Kauabi...

O descobrimento é uma mentira!

Invadiram, tomaram posse

Trouxeram doenças e escravidão

Varíola, tuberculose, a tosse

Dizimaram vasta população

Hoje, o índio, o branco, o negro forte

Fazem parte de outra escravidão

Não é o português, o francês ou gente do norte

É o perverso processo da globalização

É patrão que não amarra, não espanca, não grita

Tratam com zelo e até extrema educação

Mas tu moras na favela, como em fria marmita

Teu barraco é no morro com paredes de papelão

Vendem sonhos, fama e tu acreditas

Nas propagandas oficiais na televisão

A realidade é a correria, gente aflita

Desrespeito, desemprego, desilusão

Nem tudo está perdido

Seremos a nação da ordem e do progresso

Até expulsarmos o último bandido

Nem que pra isso se esvazie o congresso

Chega de descaso, roubalheiras, falcatruas

Demagogia, hipocrisia, corrupção

Salário-esmola, delinquentes pelas ruas

Queremos dignidade, cidadania, educação

Tantos anos... Não há o que festejar

Temos futuro. Somos ainda um rebento!

Desça do muro, junte forças, vamos lutar

Pela liberdade, pelo nosso descobrimento

Poeta matemático
Enviado por Poeta matemático em 28/10/2024
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