Parada obrigatória

Um dia, enquanto esperava pelo ônibus, comecei a observar o fluxo de pessoas que subiam e desciam dos veículos às onze e meia. Fiquei encantado com o que via e experimentava ao observar aquelas figuras tão fascinantes que passavam por ali. Não conseguia decidir se gargalhava ou chorava, mas me divertia bastante.

Autoestima

o ônibus parou em cima da faixa de pedestre

uma multidão por perto

ela aproveitou a deixa com gosto

pulou e sambou divinamente na zebra

rodou a bolsa falsificada como se fosse um laço por cima da cabeça

__ Se o Diabo Veste Prada eu, que sou filha do capeta, também posso.

Outro dia

queria ficar a manhã toda na parada de ônibus

ali se vê de tudo e mais um pouco

um dia desses ela desceu radiante

bolsa tiracolo

menino enganchado na cintura

peruca rastafari

celular no bolso de trás aumentava o tamanho da bunda

até aí, nada demais

deu alguns passos em minha direção:

__ O que lhe parece mágico é eterno.

Parada de ônibus

desceu uma gaivota

nem esperou que o coletivo parasse de vez

bicos dos peitos aprumados

bunda gelatinosa

meus olhos compassados

marcava a cadência

um, dois, três, quatro

cinco seis falar francês

quando o ônibus arrancou ela assustou

eu, sem saber o que fazer, gritei:

__ Jaci Borro!

Num piscar de olhos

o ônibus parou

desceu, uma rainha!

parecia o Quinteto Violado

cabeça, braços, pernas e bunda

tudo na mesma cadência

por sorte o sinal fechou

quando abriu ela desafinou

era tudo Faz de Conta.

Ipiranga com a São João

o ônibus parou

deu sinal com a mão esquerda

entrou de salto alto

sentou-se na última poltrona

parecia que era a dona do pedaço

quando disse: por favor!

ninguém entendeu nada

o silêncio foi uníssono.

Amanheceu

o ônibus parou

desceu afoita

a comissão de frente

parecia querer pular do peito

olhou para a direita

refletiu para a esquerda

partiu como um raio

balançando a rabiola.

Caos

o ônibus parou

não como ela gostaria

furou a faixa

tirou tinta do pé do pedestre

o guarda nada viu

semáforo intermitente

há sempre um traço de loucura no transito.

Sobrevivente

o ônibus parou

como tem que ser

não pode voar

o chão é o limite

o passageiro,

uma espécie de louco,

agradece

não pela corrida

mas por estar vivo.

Meio-dia

o ônibus parou

a faixa de pedestre parecia uma zebra

homens, mulheres e crianças

corriam desordenadamente.

o velho, na cadeira de rodas,

carregava o tempo que a vida oferecia para si

e para os outros

... há sempre um pouco de loucura nas travessias.

Hilário

o ônibus parou

cobrador saiu correndo

uma mão atrás

outra na frente

ninguém viu nada

a moça gritou:

__ Se estivesse pelado seria o fim do mundo.

Paul Is Dead

o ônibus freou bruscamente

o baque foi ouvido de longe

um corpo estendido no chão

corre-corre alucinado

motorista com as mãos na cabeça

cobrador gritando:

__ Paulo não está morto!

Em tempo...

corri até o ponto

gritei como louco

o motorista não viu

ela passou

chorei copiosamente

lágrimas espatifaram no chão

quando Nietzsche chorou

achei que fosse fingimento.

Segunda-feira

corri até o ponto

ônibus lotado

ela não estava lá

não chorei

só queria vê-la

meus olhos trincados de saudade

pareciam não acreditar

quanta tristeza

ela jamais saberá quem sou.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 22/10/2024
Reeditado em 23/10/2024
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