TRAJETÓRIA

Eu protagonizo vocábulos, metrifico letras,

porto fardos estupendos e faço sacro o

decálogo do re-conhecer o conhecido.

Eu… meu sinhô planto fumo, recolho gado,

Corto mato, bebo o meu caldo e vivo de… vento.

Me chamam de caipira ou matuto… sou tuto

no todo dia que eu tenho que sobreviver.

Sou doutor em inglês, degusto o francês

sua culinária

seu sotaque.

Domino fluentemente o latim, latindo

faço física, leio Confúcio, ofusco o aramaico

e dos aicos eu sou a fera.

Já eu meu compadre, não posso dizer nada não.

Sou analfabeto

não sei escrever

ler… nessa arte sou cego.

O que eu entendo mesmo é do falar

da minha amiga enxada. Nós conversamos.

Parece loucura, mas de pó, nós entendemos.

Visualizo fatos, manuseio fotos, projetos e

sou também mestre na arte vender o que

os senhores adoram… sucesso.

Autossuficiência e arrogância é o meu patamar.

Eu só junto os cacos, peço ajuda e vou dizer

uma verdade para o doutor. O senhor não

tem ideia do que é padecimento. Estou

aposento e o lugar mais longe que visitei

Foi o cemitério aqui atrás do meu rancho.

Minha mulher e meus filhinhos, nunca

entraram num carro, nem de boi.

Só aprendi afofar toco, buscar jurema,

vivo de pendengas, com os remendos

que a vida me trás.

Eu tenho pleno conhecimento do meu existir.

Reporto, transporto,

comporto a todos que me procuram. Meu

discurso é denso e aberto. E quem não

quiser aceitá-lo, que vá às “favas”.

Está aí doutor. Eu também planto fava,

só que é daquela miudinha margosa…

que para nós comermos precisa ficar

de molho na água três dias. Se não envenena

a família inteira.

O doutor eu não sei. Mas, uma coisa me

encabula. Me dá até coceira na testa.

Como foi que aquela moça, uma… como

é mulher o nome do trabalho dela? Sabe não.

Bom. Uma tal de jornalista… isso mesmo.

Como foi que ela fez para escrever o que

eu disse, se nem eu entendo bem o que eu

penso, pior ainda são minhas palavras.

Eita. Tenho que dizer. Se não vai ficar

engasgado na minha goela.

Ô moça boa sô.

Sabe, ela falava minha língua.

Entendi tudo o que ela queria.

Bom. Doutor. Me desculpa por

Por favor. Eu sou meio surdo das

orelhas… não entendi nada do que

o senhor disse.

Mas ela…

Boa prosa

bonita

faceira e pegava na caneta de um

jeito que dava sorte.

Vou terminar. Assim não deixa a

nossa conversa grande de mais.

Até mais…

Eita! Tenho que ser justo.

A senhora é cheirosa demais.

Mas não diz isso não, porque

se não vira fuxico e Joana

me coloca para dormir

no poleiro.

Boa tarde, uai.

Editada em 19.09.1996

Reeditada em 19.10.24

Eugênio Costa Mimoso.

Eugênio Costa Mimoso
Enviado por Eugênio Costa Mimoso em 20/10/2024
Código do texto: T8177802
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