TRÉGUA

Vai, memória, com tuas pobres asas roídas,

Empreende o voo raso

Com a ponta dos dedos

roçando a areia de algum tempo findo

sentindo o frio das horas ceifadas

A riscar o rosto murcho

Onde outrora o sorriso foi céu de estrelas

Hoje apertas nas mãos a esperança frágil

Criança doente que a febre devora

Vai, memória, embora

Enquanto há luz lá fora e podes ver os caminhos

Deixa me aqui sozinho nesta casa enorme de paredes nuas

Sem espelhos, sem desenhos, sem miragens

Deixa me errar em cômodos vazios

Com passos lentos, descompassados

De costas para a rua, ouço te bater a porta

E fugir, tomar impulso e bramir contente

O estandarte da partida

Vai-te de mim sem despedida

Na sombra das pálpebras cerradas

No rio de lágrimas vertidas

Como quem nada sente, e ri-se de tudo,

Como se fosse eu o absurdo

E tu, a ventura perdida.

ROSE VIEIRA
Enviado por ROSE VIEIRA em 10/10/2024
Código do texto: T8170618
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