PARA NUNCA MAIS DIZER ADEUS

Tornar-me-ei digital

e vou virar uma inteligência artificial

Guardarei minhas lembranças

em nuvens que não estão no céu

pois o céu é o lugar das almas desencarnadas

no escuro que existe no interior dos azuis

Meus neurônios serão algoritmos

minhas artérias serão fibras ópticas

e vou me trasmudar em impalpável e invisível

que nem o fantasma do sótão da casa da minha avó

Vou abolir os relógios de pulso

e me livrar dos calendários

já que para onde vou inexiste passado

o futuro durará uma eternidade

e o presente será o tempo que não acaba

Não vou mais temer a morte

essa coisa criada para os humanos

inventarem coroa de flores, velórios

cemitérios, crematórios e dias de finados

Não precisarei mais das mascaras

que o espelho dos olhos dos outros refletem

tanto quando pela frente deles passo

ou quando na ausência de mim eles falam

Apropriar-me-ei dos dicionários

das máquinas calculadoras que nem uso mais

falarei inglês, alemão, turco, grego e javanês

e não mais tirarei nota baixa em prova de português

Vou saber de cor pra que lado fica Cabul

Kralendijk. Bamaco, Jamestown e Bangui

conhecer a capital de Chipre e de Cazaquistão

decifrar o enigma de Andrômeda

resolver a hipótese de Riemann

explicar o último teorema de Fermat

vencer o Deep Blue no jogo de xadrez

e calcular qual é a idade de Deus

Tornar-me-ei digital

vou virar inteligência artificial

para jamais ter que voltar a dizer adeus

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 02/10/2024
Reeditado em 02/10/2024
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