Encontros e Despedidas
Sentada na sala assistindo novela
Sentada na sala
A imagem era bela
Embora nunca notara
Outrora passaria direto,
tolo neto que era
Agora, que é tarde, sentaria com ela
Fazer-lhe-ia companhia
Todos os santos dias
Discutiria personagens
Riria com bobagens
Defenderia Maria do Bairro com entusiasmo!
Condenaria a peste da Usurpadora
Choraria copiosamente com Maria do Carmo
Pobre Nazaré...
Travessia
"Me dê um abraço..."
Retiro o retrato da gaveta empoeirada
Onde costumo deixar minhas queixas, meus abismos, meus gritos estrangulados, medos; brinquedos quebrados que só servem para lembrar...
Retiro a imagem
Sopro a poeira
Observo cada frame criar forma
Cada célula, fragmento, pestanejar
Sopro de vida
Cheiro de Chipre exalando da pele
Como um néctar
Cada ruga, cada traço
A mão coçando a perna
A perna estirada no chão
O chão frio do fim da tarde
Sentada assistindo novela
Um riso salta do lábio
O perfume solto no ar
A voz se esvaindo na tela
Um bocejo
Um cochilo
Permaneço segurando a imagem
Chego a molhá-la com meus olhos nublados
Materializo-me até lá
Com passos de gato
Para não acordá-la
Dou-lhe um cheiro na cabeleira grisalha
Sussurro-lhe palavras que não se encontram em dicionários
Sobre saudade
Queria ficar ali sentindo seu abraço apertado, ouvindo as palavras não ditas...
Mas "meu" gato está miando, querendo comida...
Devolvo a imagem pra gaveta. Preciso voltar.
Na radiola da alma Encontros e Despedidas, e o cigarro, entre os dedos, já na bituca.