Apresentação da poesia Sou negro

O escrevinhador já tinha poesias que gritavam a dor de ser negro, a dor da negritude. No entanto, com essa poesia o escrevinhador estreia uma parte de sua obra sobre esse pedaço dorida de sua vida e de suas vidas. São gritos, são lamentos, são reivindicações de humanidade, porém são cantos, são danças, são louvações e são felicidades de ser. Ser negro é, concomitantemente, ser feliz por existir, por fazer parte da humanidade, por fazer parte de um povo inteligente, sábio, construtor e que aprendeu e ensina ao mundo a superar as injustiças e as dores e a ser melhor em vários aspectos.

Sou negro

Estou em uma prisão no país

Sou negro e fui condenado inocente

Estou em uma dança para o orixá

Sou negro e conto a história da minha gente

Estou chorando de dor de apanhar da polícia

Sou negro e as forças da violência estatal moem meu corpo

Estou sem poder provar que sou inocente, que não fiz um crime

Sou negro e já sou visto como culpado mesmo sem cometer ilícitos

Sou negro, meu corpo está caído no chão sem vida coberto por papelão

Mataram-me com sessenta ou oitenta tiros em Akron nos Estados Unidos

Ou em Guadalupe no Rio de Janeiro, mesmo eu sendo motorista ou músico

Os que me amam choram, gritam, lamentam, não se conformam

Minhas mães choram, meus pais se dilaceram, meus irmãos lamentam e sentem medo

Minhas esposas e meus maridos choram a injustiça e a solidão daqui por diante

Meus filhos choram, não entendem, se sentem desprotegidos, os seus corações sangram

Sou negra, morro também nas favelas e morre comigo meu filho em gestação

Quase nunca tenho oportunidades que me salvem da inibição de meus talentos

No entanto, sei consolar, sei abraçar, sei dar um carinho, sei ser abrigo e amor

Sou negra, meu canto belo é carícia para dormir, acalanta o sonho e lamenta as dores

Se estava nos navios negreiros continuo nas prisões

Se o poeta cantou meu lamento nessas galés

As mães, as companheiras e as filhas me visitam nos calabouços

Sou negro e jogo futebol nas prisões com outros negros

Também inocentes como eu sou, presos por um catálogo de fotos negras.

Sou negro, já vivi, morri e ressuscitei nos navios negreiros

Nas lavouras, nos eitos das lavouras, trabalhos e casas

Vivo nos trabalhos precários, nos transportes públicos

Sei cantar, tocar, dançar, criar ritmos para viver e louvar os ancestrais

Não quero e não sei morrer de bala, vício, susto ou maus tratos

No entanto morro nas vielas, nas ruas escuras, dentro de casa

Nas prisões, nos hospitais e mesmo assim ressuscito nos meninos e

Nas meninas que nascem, nos que insistem em dançar novinhos

Nos ritmos das músicas, nos que agora estudam, nos que agora prosseguem

Sou negro, sou negra, somos negras, somos negros

E o mundo seria mais feio e mais triste sem nós

Se nos matam nós revivemos porque somos a alegria do mundo.

Rodison Roberto Santos

São Paulo, 05 de julho 2022

Rodison Roberto Santos
Enviado por Rodison Roberto Santos em 29/09/2024
Código do texto: T8162420
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.