Fome de quê?

Sofro de condição poética.

Amanheço famélica por palavras,

Saio lambendo a pele das coisas

Para cuspir um decreto depois.

 

Tropeço de madrugada

Nas ladeiras de Morpheus

Catando invencionices

Para escrever de manhã.

 

E quando Aurora desce do céu

A lamber minha cara dormente,

Eu abro os olhos ao mundo

E o mundo se abre pra mim.

 

Sofro de condição poética.

Uma patologia dos desnutridos

Que têm nos ossos uma fraqueza

E uma gulodice infinita.

 

Quanto mais experimento

Mais quero e lambo.

E sinto arrepios em minha boca

Pelas delícias vocabulares.

 

Padeço de uma condição poética

De quem não consegue ser feliz sozinha,

Para não ser engolida, eu mesma,

Por essa fleuma engasturada.

 

Reclamo, todos os dias, meu remédio

Pois padeço dessa enfermidade: mal do poeta,

Que morre o tempo inteiro de fome,

A fome da palavra.