M I T O - L E N D A

Prepare o seu coração, para este relato que vou pintar, pois não minto, mas mato, qualquer falso… que acaso possa ou venha me atrapalhar.

Seu moço, eu sou do sertão, não tenho medo de onça e muito menos de assombração, pois quem filho da santa foi, também um dia da outra sonhar… quimeras, será.

Nasci no lajedo de riba, comi o que sinhá pisou. Rezei terço, pedi reza prá Sá Maria, no entanto, o melhor mesmo foi cantar um bendito, prá aquela santa lá no altar… Nossa Senhora, minha sinhá.

Já tomei banho de bacia, namorei até o Josias; daí índio se tornou filho da velha; mas na veia corria mesmo, era o melhorar, prás coisas que Jesus mandou falar… amai os irmãos, para a bendita da vida prosperar.

Quando dava de madrugada, sinhô saltava do cochilar, gritava, vamos embora mulher para as terras, nós dois plantar.

Condogar, não resolvia, então meti na testa o lencinho. Cravava no pescoço o meu rosário bento e começava a rezar. Valei-me meu Bom Jesus da Lapa, das pragas que vamos encontrar.

Feroz era o nosso cachorro, que nós dois conseguimos adestrar. Bicho danado e esperto, que só sabia trapacear. Quando dava dez e meia e o sol lá na candeia, começava a brilhar; Josias agarrava as palhas e começava a bocejar. Mostrando as pelancas da cara, que era só o maltratar.

Chegava em casa cansada e ainda tinha que cozinhar. Minha sorte era comadre Delmira, que me levava a cantar… porque a dança de roda era somente para nós duas caçoar.

Bendita seja a três palavras, da santíssima trindade, na hora de louvar… porque já está na hora de voltar, para onde nós dois chegamos, lá no fundo do nosso quintal. Labutei o restante do dia e coloquei a jejuar. Farinha, sal e arroz, era só que se podia mastigar.

A noite olhando para o céu, quando coisa bonita se pode contemplar… até um cavalo branco e o santo São Jorge, nós também tínhamos o direito de nos enxergarmos. Santa Maria das Candeias, que vive lá no altar. Roga por esta velha que precisa melhorar. Olhai para Antenor, meu filho, que está lá pelas bandas de São Paulo, a imigrar… meu Deus queira que um dia ele possa voltar e se for do seu agrado, ele até poder ficar.

Hoje noventa janeiros possuo e não tenho o que reclamar, pois desta vida feliz será; quem pelo menos tiver o direito, de prosperar. Macaco velho não quebra mais galho, pois não aguenta mais levantar… valei-me meu São Benedito, destas pernas cambotas, que não me deixa mais andar.

Os olhos me faltam hoje, para poder até espiar, no entanto eu uso o coração para sentir as emoções, para deixar pelo menos uma lição. Meu nome é Sá Maria, faz o favor de não perguntar o tal do meu sobrenome, pois todo pobre só é filho do Bom Jesus lá do altar.

Por aqui eu vou parando, mas tu tens que continuar, porque a vida não é só minha… mas de vocês também; então, arregaça as mangas do seu paletó e comece a suar. Pois quem da vida foge, jamais vai ressuscitar. A bênção meu senhor Deus… boa noite meu menino Jesus. Me acompanhe Maria-Mãe, até a porta do céu, onde eu sonho entrar e para vocês que vão ficar, não esqueça de promessas, pois quem reza como o coração, jamais se perderá na aflição. Esta tem que ser uma promessa para todo ser cristão.

Boa noite comadre Delmira… noite Rita… dorme com Deus Antenor e os anjos possam abençoar, meu índio que continua a trabalhar.

Estou indo com Deus e espero com ele ficar e se assim me permitir, quero até admitir que Josias eu irei encontrar. É essa minha intenção, que transformo em oração, deixando prá trás minha paixão, de um cafezinho poder tomar.

Boa noite para os meninos… que teimam em me procurar. Deixe que eu parta para o meu descanso saborear… pois quem nasceu da terra, para o pó deve retornar. Abençoado sejam todos que um dia conheceu minha história, que o poeta irá contar.

Que abaixo do céu, é o único que consegue recitar. E também poder versar.

Verse meu índio.

Verse…

Vou viajar.

Editado em 23.09.2000

Um tributo a Sá Maria

In memoriam

A que me ensinou a rezar.

Medina-MG

Reeditada em 28.08.24

Eugênio Costa Mimoso
Enviado por Eugênio Costa Mimoso em 29/08/2024
Código do texto: T8139932
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