Asas
Talvez, seja hora de deixar
os outros saberem que
estou sangrando;
talvez, seja hora de parar de
esconder as feridas ,
parar de tentar estancar o sangue
com palavras bonitas
e deixá-lo fazer seu caminho
até onde ele deve chegar.
Queria que a dor me fizesse mais forte,
mas a cada arrepio meu corpo desiste
um pouco mais.
Desde que passei a esconder
as cicatrizes,
cada novo dia me traz uma nova
e eu tenho a lâmina nos dedos,
toda vez que me calei
quando queria (e precisava) gritar,
todas as vezes em que sorri
e fiz as lágrimas tomarem
o mesmo caminho pelo qual vinham.
Deito de costas para o chão,
com a alma exposta,
encarando o teto aberto
que me mostra o céu noturno,
mas não sinto nada.
As estrelas me encaram de volta
e sinto um leve frio na barriga,
como se estivessem me chamando
e não há nada que me impede
de encontrá-las;
nada me prende à crueldade mundana,
quero inclusive me libertar dela,
quero que minhas asas
cresçam de novo, fortes o suficiente
para que eu consiga de vez sair do chão.
Encaro o vazio infinito
quando estou de frente para o espelho
e vejo uma vasta coleção de desejos sucumbidos
às minhas costas,
que padeceram um a um,
aos poucos se perderam
à medida em que nasciam no caos.
Nasceram justo no caos,
deveriam ter buscado um espaço mais seguro
para pousar, mas o solo é instável
e trepida a cada segundo.
Nem os mais robustos e firmes
resistem aos movimentos da Terra
e eu nem me comparo a eles.
Se minhas asas não fossem
apenas resquícios de tecido conjuntivo,
eu acredito que tivesse alguma chance
de voltar a voar,
mas as feridas abertas são impossíveis
de costurar,
só consigo deixá-las sangrar.