Pintura Noturna

O cigarro queima sem pressa.

O tempo parece anulado.

A vida abstrata se esvai pelo corpo macio

da mulher que descansa nua ao meu lado.

O cheiro dela habita tudo,

uma mistura convidativa de sândalo e carícias tácitas.

Seu suspiro descansado me invade,

envolve o que sou,

e tudo o que fui se perde neste instante.

Meus dedos a procuram por cima dos lençóis,

mas se perdem e regressam tímidos, assustados.

Meu coração calmo se rebela,

mas não sabe se revelar.

Vem chorar comigo noite insólita, debruçada sobre nós dois,

porque sozinho todos os encantos não me são válidos,

e tenho medo da aurora que surge

e com ela;

o coração molestado que nasce no meu peito vago.

Vem chorar comigo noite convulsiva,

de amantes feridos em poemas latejantes.

de desejos parciais e sorrisos pendentes,

todos pendurados na tua saia escura e de visão desarranjada.

Vem chorar comigo, em remanso,

para que não a despertes e me tire essa calma vacilante.

O cigarro persiste no cinzeiro,

meus olhos se perdem no corpo afável,

nos cantos do quarto.

Tudo parece deserto em absoluta quietude

e tal calmaria é incômoda,

e os desertos dão medo aos que se perdem nele,

e foi em ti escuridão, que eu me perdi nela,

no instante em que não se anulam

todas as minhas contradições neste poema.

Leonardo Ramos

Leonardo Ramos de Almeida
Enviado por Leonardo Ramos de Almeida em 06/08/2024
Código do texto: T8122765
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.