A CHEGADA DA CHEIA

“— Olha a cheia! Olha a cheia!

[...] numa ligeireza coleante e espantosa de cobra.

Era a cabeça da cheia correndo.”[165]

[...] — É muita água.

Vem com força de açude arrombado.[165]

“O rio entrara pelos sangradouros das lagoas.

Ia até os pés da caatinga.

É um mar de água daqui até lá.”[166]

“Água vermelha como de barreiro de olaria.

As águas derrubavam barreiras,

subiam em ondas, dançavam em redemoinhos.”[167]

“Ouvia-se da casa-grande

o rumor que faziam as águas.

O oratório aceso.

E as negras e a senhora rezando.”[168]

“O povo a gritar por todos os lados.

E as águas subiam pelas barreiras.

Começavam então a descer

grandes tábuas de espumas,

árvores inteiras arrancadas pela raiz.”[165]

“— Lá vem um boi morto!

Olha uma cangalha!

E uma linha de madeira lavrada.

— Aquilo é cumeeira de casa

que a cheia deitou abaixo.”[169]

“Longe ouvia-se um gemido

como um urro de boi.

Estavam tocando o búzio

para os que ficavam mais distantes.”[169]

[...] “Com a noite, um coro melancólico

de não sei quantos sapos

roncava sinistramente,

como vozes que viessem do fundo da terra

cavada pelos seus confins,

pela verruma dos redemoinhos.[169]

“E por onde as águas tinham passado,

espelhava ao sol uma lama cor de moedas de ouro.

Para os meninos tudo isto parecia uma festa.” [170]

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[165] REGO, José Lins do. Menino de Engenho, p. 39

[166] REGO, José Lins do. Menino de Engenho, p. 41

[167] REGO, José Lins do. Meus Verdes Anos, p. 60

[168] REGO, José Lins do. Usina, p. 40

[169] REGO, José Lins do. Menino de Engenho, p. 40

[170] REGO, José Lins do. Menino de Engenho, p. 45

ORGANIZAÇÃO: ANTONIO COSTTA

Do livro "Poemas Zelinianos", disponível neste link:

https://clubedeautores.com.br/livro/poemas-zelinianos