Carta de Despedida

Hora de ir, começo a arrumar as malas.

Enquanto arrumo e às organizo,

nessa curta e exaustiva experiência,

Reflito ao pé da janela,

com os olhos nas serras distantes e escurecidas,

O que terá ficado em minha alma.

De companhia, apenas o ar fresco e o silêncio da madrugada,

O uísque acabou e já não tenho cigarros.

(Não fumo há quase dez anos)

As malas não têm pressa, então, esclareço.

Ficaram em mim, poeira e seca,

lama, lembranças amareladas,

Asfaltos esburacados e estradas de terra batida,

Mata-burros, matadouros, lagoas,

agouros de coruja, o som noturno da pedreira,

Algumas trilhas abertas no mato

E rios e riachos ao final delas.

Ficou o cheiro do cerrado.

Ficaram as vozes que já não existem.

Ficaram os olhos do meu primeiro amor,

Verdes como o cerrado e

Com galáxias inteiras no seu interior.

Ficaram em mim alguns traumas da infância dos quais nada quero dizer.

(Calma, escreve)

Ficaram em mim os amigos de infância.

Todas as brincadeiras de rua e tardes inteiras de conversas na calçada...

Hoje, todos adultos esquecidos, distantes.

Ficaram em todas estas distâncias a velha galera,

cigarros, cervejas, bebidas baratas,

as drogas ilícitas, noitadas, caminhadas intermináveis,

sonhos sobre o futuro, shows inesquecíveis e esquecidos,

um solo de guitarra.

Ficaram os beijos embriagados,

o sexo embriagado, dormências,

enjoos e ressacas morais.

Todos esquecidos, e velhos, e distantes, e tanta distância...

Minha geração parece deprimida.

Ficou em mim o desejo por aquela morena,

mesmo as escondidas...

Não, não fale nada, nem mesmo a verdade.

Ficaram em mim todas as mentiras e traições causadas e infligidas,

que me quebram ao meio,

Que me põe de joelhos e deprimem, deprimem...

“Aquela gente não presta meu Deus, não presta.”

(Não sei oração alguma)

Ficaram em mim todos os livros que li e não li,

Toda poesia escrita e desfeita,

Todos os filmes que chorei e que me fizeram rir,

Todas as novelas.

Minha mãe, meu pai, ficaram em mim todos os seus sacrifícios.

Ficou em mim, porque não, o cheiro da mãe dos meus filhos,

E seu sorriso tímido, daqueles acanhados,

Os cabelos cacheados e avermelhados,

sua força de vontade que é de ferro, bruta,

o mundo lhe parece pequeno, ficou o amor que sinto por ela.

Ficou em mim, o peso nas costas de um esforço social hercúleo que tenho de fazer,

E que me atrapalha, me fere e deprime, deprime... descanso.

Na reflexão o galo canta e ainda estou aqui, tenho por força que partir.

Não falarei dos meus filhos,

esse amor deve ser eterno e me basta,

esse não fica, eu levo.

Leonardo Ramos