Acalanto
Aquela cantiga nunca se tinha ouvido na terra; vindo do infinito ecoou na garganta daquela mulher escolhida; tudo silenciou pelo som da voz na cantiga; na mata nem um vento macio soprou, pássaros quietos, sem voejar, ouviam atentos; as ondas do mar não voltaram à praia; estrelas não piscaram, sustentaram o brilho paradas; todos os homens dormindo sonharam com um anjo mulher tocando um instrumento desconhecido; possuída pela melodia, a música a levava, todo seu ser cantava; quem morria entrou dentro do canto e perdeu-se de si; quem vinha ao mundo, chorando, buscava imitar a voz; o canto vinha de longe, no tempo e na imensidão, entrava pelos anos e perdurava, destruía e emendava o presente no futuro com o passado. Inspirada por uma força estranha ela cantava como se quisesse interpretar a melodia infinita vinda de não se sabe onde, sua voz emanava beleza, fluida, esparsa, suave, leveza de pena, compasso no ritmo do certo tempo, penetrante no ouvido, coração, corpo parado, olhos reluzentes. Foi no tempo do sol poente, no dia do vento suave; à visão do céu de um vermelho mais bonito que todas as pinturas de todos os mais bonitos quadros de todos os melhores pintores, o vento levava o sonido, embalava lonjura adentro, os dizeres indizíveis da mulher que cantava sem ninguém entender de cabeça, só sentindo no coração, na alma, mesmo bem dentro do corpo; mata em silêncio, nem uma folha balançava. Vinha dos anos, dos séculos, milênios, ia para a volta de todo o tempo.
Rodison Roberto Santos
São Paulo, 2001.