FLOR SECA
Eu tô pensando uma rosa amarela,
que eu vi ali embaixo
seca,
sem ninguém dar por ela...
o tempo foge,
as ideias vão
e eu aqui pensando nessa rosa amarela
que ninguém vê,
ninguém acolhe
somente um pedaço de chão é o que lhe serve de pouso
e eu penso nos homens pobres, homens tão jogados,
tão largados,
tão certos de suas ideias,
de suas verdades,
não há pensamento melhor que faça com que um entenda o outro
por vezes, se vê alguém sendo ridicularizado, jogado ao léu,
solto,
levado pelo vento de palavras que machucam
que doem
que perfuram,
que tiram as cicatrizes de feridas tão mal resolvidas
e aquela rosa amarela na minha cabeça
parece que ela está ali,
a pensar que o tempo não mais virá... pobre rosa! tão largada, tão bela!
se foi um dia...
hoje é seca, sem vida,
enfeitou os olhos de alguém,
provocou sensações de amor,
de prezado amigo, um ato de carinho, mas hoje, os homens estão tão presos tão presos a ideias pré-concebidas que não basta mais dizer te amo,
não basta dizer preciso de ti,
é necessário ter platéia,
que mil vozes escutem, aplaudem,
seja registrado na mídia...
tudo tem que haver mil olhos a assistir,
mil pessoas comentem,
o tempo é de viver um sobre os outros
passando por cima sem ver o que o outro precisa,
olhos nos olhos para quê?
por que deve estar o tempo todo pronto a escutar,
o negócio é falar,
dizer o que pensa,
e o outro? O outro que se aguente: "nasci assim, cresci assim, vou morrer assim..."
a síndrome da Gabriela, que é letra de uma canção, porém perdura como realidade de muitos,
o mundo muda, e as ideias continuam imunes, ficam presas à cabeça, envelhecidas, arcaicas,... almas enegrecidas de verdades estagnadas em lamas de terra infecunda...
pobre folha amarela do meu caderno!
pobre folha que eu escrevi e já não tem mais porque existir
é fim...
a rosa amarela,
a flor amarela... tudo gasto,
tudo passado
eu sou já ultrapassada,
velha, gasta, mas, em mim...
em mim, uma alma
no outro, também
é bom que eu perceba isso
é muito bom!
porque assim, ainda pode ser que o mundo me veja,
e eu veja como é realmente necessário, olho-no-olho,
frente a frente,
abraços, cheiros, perfumes...
gastar o tempo com o outro, no outro...
não ser ausente,
quando possível,
estar presente...
folha seca no chão,
é sinal de que a vida ainda passa por ali
folha está morta
flor morta...
mas não importa,
ela jogada na terra, pode servir de adubo,
quem sabe, um dia a gente perceba que o homem, a folha, a flor... tudo e todos nós somos e fazemos parte de um só universo
que precisa de carinho, de atenção, de cuidados, de afago,
ideias vem,
ideias vão...
pensamentos bons vem e vão, pensamentos maus também...
Nós não somos perfeitos,
mas temos que lutar pela perfeição, não importa o que é verdade, se há crueldade no pensar,
o que importa não é o pensamento de agora
ou pensamento de depois,
o que essencial é não nos perdermos, é não deixarmos de ser seres humanos,
sensíveis,
prontos para abrir os olhos,
nos dispormos a ajudar, acolher o outro, estar pronto para levantar o outro,
saber que também poderá cair,
saber que poderá haver uma mão para ajudar a se levantar,
disposto a pegar a folha seca e retirá-la do chão...
Fico pensando e entendo que a flor amarela está ali para os meus olhos sentirem,
para eu perceber como os outros seres irmãos,aquele que também de quem passar,
de quem ver,
de quem mais olhar...
se bem que olhar nem sempre é ver, pois ver é perceber mais profundamente o porquê daquela flor ali...
onde ela irá parar, se o vento chegar? o que será de mim?
o que será de ti?
o que será de nós?
todos seremos objetos de estudo de pessoas insensíveis?
seremos considerados por alguns como seres humanos selvagens, quase um primata...
E eles que se acham os tais, serão na verdade, os seres (des)humanos que regrediram a ponto de deixar o outro morrer para bater o flash mais belo, mais autêntico, ser o primeiro a ter uma curtida,
Não percebendo que no mundo, o tempo todo, o momento, tudo passa e a vida morre,
morre sem vela,
sem choro, sem dores,
pois as flores deixaram de existir...
e elas, deixaram de existir porque não houve mais quem semeasse,
não houve mais quem amasse,
tudo perdido: a flor amarela foi a última
e eu, chorando, coloco-a num pedestal para eu me lembrar que um dia teve vida bem ali
o sentido do amor, naquela flor...
(22/07/2019)
Raimunda Lucinda Martins